O buraco foi aberto...
Ali eu consegui ver milhares de cores juntarem-se fazendo a construção de uma vida toda em poucas horas.
Eu vi o meu reflexo no espelho de minha alma e me assustei demais com tudo que senti.
Não consigo com perfeição descrever aquelas sensações que entravam de mim com tanta rapidez e força.
Parecia por um instante que eu estava sendo atacada por um leão feroz, como se as garras dele pudessem arrancar de mim os perdoes que jamais consegui consentir que existissem.
Perdoar, perdoar, eu não conseguia suportar aquela intuição toda que jorrava dentro da minha cabeça como uma avalanche de sentidos misturados com minhas memórias mais primitivas.
Eu conversei com a morte e ela estava rindo junto comigo da minha vinda ao mundo e, também eu podia através dela ver os meus traços mais infantis construírem quem eu queria ser.
Eu fui ali um alvo, o meu próprio alvo vivo, a vida foi transmitida para mim de uma forma sangrenta, porém, por um segundo eu pensei não ter alicerces para suportar aquela dor toda, mas no final o choro contido que de mim saia, silenciou as minhas falsas constatações do que eu estava vivendo.
E aquela isolamento maldito?
Era um isolamento danificado pela existência que eu tanto negava, mas que pensei por um tempo que havia controle sobre o que eu via e ouvia das pessoas.
Ali eu fui tomada por uma estranha sensação de perda, abuso e violência.
Calcificada pelas cicatrizes que não queria aparecer, eu fui danificada pelas chamas antigas que estavam esquecidas em minha alma ancestral.
Aquele fogo todo me consumiu, restaram cinzas, eu me vi vivendo uma centena de acontecimentos nos quais, eu não era capaz de existir de verdade, eu estava morrendo todo tempo.
Foi difícil, pesado e árduo, fui eu mesma com minhas recordações mais ardidas e sórdidas.
Vi um espelho gigante brotar do meu inconsciente, eu vi águas voarem frente a minha personalidade.
Vi rainhas descerem do trono, vi uma princesa chorar porque sentia que estava em coma.
Vi uma mãe gritar por ajuda, eu era a coluna dela eu sentia o peso da bagagem que ela levou sozinha a vida toda.
Eu alucinei, recordei, me sufoquei dentro daquele abismo cheio de discórdia.
Ali, haviam luzes, muitas delas, mas a escuridão foi para onde eu corri assim que vi que a passagem da minha construção mental estava corrompida.
E toda minha essência se fez ausente, eu recebi um presente do cosmo, eu vi baixar diante dos meus olhos a cortina do imaginário.
Tive muito medo, confesso, em alguns instantes pensei que pudesse morrer, eu só não fiquei ali por um bom tempo, porque não suportaria mais aquela carga de sentimentalismo puro.
Senti ali, o quanto ainda eu era boa demais e, por isso, eu estava desrespeitando a ordem da minha consciência.
Eu havia engolido a terra que estava querendo me enterrar de vez neste túmulo que quer me sufocar, o mundo.
Eu não preciso disso, aquilo que me resta é o que me falta, o que me é tão precioso, e eu deixei passar por tanto tempo.
Reconheci rostos familiares em meio aquelas paisagens cheias de cores, eu vi a galáxia negra banhar-se de vida com os meus olhos fechados.
Contemplei a jornada cansativa pela qual eu não tive coragem de deixar vir coisas melhores.
Ali, não tive medo do novo, e não conseguia gritar, os meus gemidos eram internos.
O que eram aquelas facas cravadas no meus estomago?
Aquele gosto azedo e que me causou náusea quando senti que estava abrindo os meus pensamentos de uma vez por todas.
Senti como se entrasse em um túnel, e haviam fotos de lances da minha vida nos quais eu esqueci de me lembrar por tanto tempo o quanto eu estava ausente.
Ausente?
Ah isso é pouco, no meu corpo eu sentia só cala frios, aquela conexão louca com alma causou suor em excesso e dor sem recesso.
Foi real eu sinto que foi real, eu não consigo entender algumas coisas, aquelas que brotavam tão radicalmente de meu “self”.
Fiz construções belíssimas, me deu uma vontade de ter liberdade, ali eu tive asas e passei voando sobre meu passado.
Vi muitas ilusões perdidas, culpas, ressentimentos, miséria de espírito e uma falha comunicativa com meu eu mais ingênuo.
Agora eu sinto, estou mudando, ali algo se rompeu, e eu ainda não sei como cheguei até aqui, sendo tudo isso que eu pensei ser.
Me falta tudo, mas eu confio na minha própria decisão de existir, confio na minha agulha, no meu tecido, no meu brilho mais pequenino e suave.
Tive fé aonde o medo tentou me arrancar a sanidade, porém tudo que eu conhecia como estar sendo sã, foi por água abaixo.
Aquele mundo todo era meu, e eu estava brincando de ser deus, habitando minhas lembranças mais dolorosas de cima, lá no alto, aonde eu sempre tive medo de subir.
Fui analisada, senti a regressão do meu espírito e do meu corpo, os dois estavam ligados por um fio feito de pó cósmico.
Vi a margem de um rio doce, aonde eu me banhei por horas e não esqueci de tudo que deixei nele.
Voltei, com o sentimento de que, algo ali foi rompido e que a partir desta viagem eu jamais seria a mesma.
Não consigo deixar de lado tudo o que senti, aquele buraco todo, aonde a terra é negra e as chamas do presente estão sempre ameaçando me apagar de vez.
Tenho que mudar, mas não para que eu possa construir uma identidade, eu preciso destruir tudo aquilo que ainda me resta de compaixão para comigo mesmo.
Preciso não mais ter a alma tola, necessito do entendimento do acaso, de não me envolver em pequenos fragmentos que não são meus.
Preciso aglutinar a minha essência espiritual ao meu corpo, dar valor as minhas preces, aprender com todos os pequenos circuitos de fé, elaborar uma vida sem valores sujos.
Agora eu necessito do mundo!
Preciso aprender a viver sem os valores mesquinhos que empreguei a mim mesmo.
Evoco agora as minhas juras, promessas e medos para fora.
Lamentações que me causaram enjôo pode expelir de mim todo mal, não posso ser mais severa comigo mesmo... ou irei apodrecer...
O que mais me chocou foi a relação minha com as pessoas que tanto amo, porque eu não conseguia demonstrar para elas o quanto elas me enchiam de alegria.
Vi meu estado de vitima lançado sobre meus olhos, e não consigo puxar a alavanca da realidade.
Vi minhas mentiras se desfazerem ao pó, me vi pisando sobre elas, e senti um alivio que posso dizer que foi um prazer único.
Eu gargalhei com as minhas certezas quando percebi que ainda eu estava entupida de coisas velhas e constrangidas pelo tempo.
E naquele buraco, imenso, cheio de podridão, tinham coisas boas também, vi minha face mais amarga ser cuspida para fora, e retornar em mim na forma de uma risada infantil e feliz.
Vi cada célula minha desgarrar-se lentamente diante de meus olhos, isso me apavorou e me causou dor, mas fiquei aliviada quando vi que eu estava retornando a minha antiga feição.
Logo após, vi meu corpo ser refeito pedaço por pedaço, cada órgão tinha um cheiro diferente, o meu coração cheirava a maça.
Fui inundada pelo mundo das sensações, me vi como uma caixa, aonde todo mundo despejava algo e parti, eu rompi com este elo tenebroso, eu me transformei em águia e larguei aquelas coisas dos outros somente para eles.
Eu fui mas não sei se voltei daquele buraco.
Algo em mim foi modificado, o que eu não sei, não faço idéia.
Não consigo mais dizer o que o meu ego perdeu.
Eu me perdi naquele jardim suspenso de ilusões e a vida que eu achei que era concreta, despejei para fora de mim.
Eu morri ali...
E renasci depois que abri meus olhos para o mundo sensível...
Fui surpreendida por miragens, milagres e pesares.
Tudo que eu acredito fielmente, foi por água abaixo.
É tudo maior, milhares de vezes maior do que eu pensei.
Existe um outro mundo, aliás, milhares de outros mundos aonde eu também existo, aonde meu pensamento não tem medo de existir.
Não posso mais resistir a essa vida que me chama.
É chegado a minha hora de voltar para o mundo inacabado e santificar minha existência sem receio, covardia e desistência dos meus desejos mais íntimos.
Eu preciso aceitar de verdade a vida...
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