O que fazemos vivos?
Alguns trabalham o dia todo, outros dormem e acordam todos os segundos. Na esquina alguém morre, do outro lado existe outrem em berço doentio nascendo faminto, procurando o leite maternal. Agora penso ver uma casa sendo erguida no meio do pântano, outra se encontra em ruínas em meio ao concreto violento de nossa grande metrópole.
São milhares de relações, humanas, loucas, insanas, beijos, abraços, parapeitos desejados, outros forçados. Conversas sobre a mesa de quinta-feira, astros gigantescos que descem em nossa direção. Travessias amargas, doçuras sendo descritas através da poesia na mocidade doentia...Todos os dias nós montamos um quebra-cabeça com aquilo que por nós é vivenciado, muitas vezes criando e desmontando nossos medos do desconhecido em cima daquilo que procuramos deixar tocar em nossos ouvidos, feito música incansável, a mesma melodia ressonando em nossos ossos cansados do esforço do pensamento intensivo. O velho abre a porta de seus armários, e eu caminho entre as árvores do parque encantado, vivendo em um mundo de fantasias, abençoando o lobo e condenando a mocinha bondosa, ali todos os meus gestos são sensíveis, a cama está arrumada, o leito do supliciado vazio.
O tempo no vento, no canto do ensinamento do sentimento sobre o momento reflexivo que se esconde entre os degraus da escada da respiração ofegante... Alguns nos abandonam muito cedo, outros ficam para nos ajudar a penar por essa terra com seus gases venenosos, asquerosos sentidos que não se podem negar, existem as flores que tentam nos purificar do mal, a inocência das raízes fortes que nos prendem ao passado... Essas mesmas, agora são arvores gigantes que sempre se comunicam conosco derrubando suas folhas no quintal assombrado pelos nossos desejos nunca elaborados.
Alguém chora em um quarto cheio de memórias, e eu tento tocar minha saudade usando meus olhos para procurar no instante as coisas que não consigo dizer a mim mesma sem enxergar que elas existem. Não sou fato, fenômeno ou coisa do tipo sou eu, simples, de carne, osso e alma. Breve, às vezes intensa, quase perfurando o ouvido do inimigo com meus devaneios femininos, sangrando os olhos com minhas dramatizações irônicas, quem vê não me entende, quem entende não tem muitas vezes coragem de me ver.
Acendo as velas para um novo dia de ritual e me pergunto: Porque ainda viva? Viva de Vivi, vivi de tudo, o todo, vivi vivendo o veneno da vida e quer saber, não adianta só sofrer, ou somente sorrir, dançar, espernear, estreitar os relacionamentos, se sentir só, acompanhada, falar bem, dormir, acordar, gritar, calar, entre outras coisas que agora não quero citar, é preciso saber o porquê de tudo isso, e mesmo que não tenha um porque, saber e compreender que estamos com os pés aqui e outro no além sempre, uma espécie de adrenalina contida que é liberta quando temos contato com o que verdadeiramente fazemos aqui neste lugar estranho com seus mil caminhos a serem traçados.
Tenho meus pensamentos loucos quase súbitos que: talvez estejamos em pedacinhos e espalhados por todos os cantos deste universo e quando aceitamos fazer parte de um todo dentro de um tudo é que somos o que nunca pensamos ser, temos o que nunca poderíamos ter...Acredito que não tocamos nada, o mundo nos toca com seus mistérios.
O desfile da solidão em meio a um pátio cheio de almas rasgadas de mãos dadas assistindo o espetáculo da vida...O tempo que está se esgotando, e elas não agüentam muito tempo de pé, até que uma delas se distraia e seja puxada pela moça que por mim leva o nome de solidão... Ela cai... Desmaia e acorda chorando como se estivesse sentindo sua própria morte ali, e se distancia da roda, caminha em direção a sua casa, cansada, desesperada... É então que, Solidão abraça, acaricia seus medos, toca seus sentimentos, leva a pobre alma para a cama... Em seu leito de dor que elas fazem amor. Depois deste acontecido ela nunca mais é a mesma, não quer fazer parte da “antiga” roda... Compreende em si só que não era preciso ela passar sua vida toda girando ali, apenas vendo o tempo passar, rodando, rodando de mãos dadas, quando na verdade ela precisava do seu encontro íntimo com o que estava acontecendo no núcleo do seu tempo. Era ela ali no meio, metade dela, vestindo a roupa da solidão bailarina dos seus véus encantados, desejos reprimidos em seu ventre castrado. Metamorfose psíquica se desintoxica do mundo rasteiro e abre portas para o seu novo imaginário. Retira os espinhos amargos de sua pele, um por um, sente pela primeira vez o gosto de sua própria saliva, reconhece o seu próprio corpo, denuncia seu tato. Ouve suas risadas, graceja com seu papo sonhado, sente o aroma do dia, inala a noite suavemente, e solta o ar gelado por suas narinas rosadas. Olha a si mesma no espelho, e tem a visão própria do pecado e não condena. Transforma suas lágrimas em um rio de águas volumosas e cheias ondas que arrastam seu lado negro para a margem de seus pensamentos. Dali seu desconhecido lado, escuro e tenebroso é ouvido lentamente, até que ele se torne claro... Lentamente ele sobe para o céu, ela acompanha sentada em sua consciência. Um cavalo levando aquele menino medroso para seu descanso alado.
Aqui é vida, fora e dentro, no céu e na terra, na mente ou na demência de ser amante da própria ilusão de estar vivendo sempre sem ter os pés atados. Eu prefiro ter asas à ser condenada pela moral, mas sou humana, demasiada ou não, considerando meus fenômenos um ato místico para ir sempre além do racional... O que sinto às vezes não explico, porque não consigo, não persisto, algumas coisas tem de ficar em silêncio. Um dia elas gritam comigo, sentam-se na minha frente e são compreendidas até sua última atuação em minha vida até o meu último sinal de freqüência com o mundo imaginário e substancial... Resultado da conexão entre o plano terreno e astral.
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